Uma mulher que nasce e se cria no campo
deve aprender com as vacas do rebanho da fazenda
a fazer um parto
ou com as ovelhas, com os porcos, com as galinhas,
em um lugar em que para onde se olha há um nascimento
deve-se aprender desde cedo a expelir a sua cria
Uma mulher miúda com 5 kg de filho
entalado no útero,
na vulva,
na vagina
Uma criança empacada
no dito
portal da vida
No campo,
era comum ver as vacas
que deslocavam as bacias
e morriam com o útero aberto
e os bezerros trancados, expostos
E depois eram deixadas de lado
em um mato
cobertas de moscas
com cheiro de putrefação
e o esquecimento
O desejo era ter uma menina
alguns abortos
muitos traumas
“A minha menina vai nascer
de cesárea”
preparada,
nunca se está
Quando um terneiro nasce,
uma vaca continua a ser explorada
é o seu leite que serve o patrão,
que vira a nata sobre
um pão fresco — feito por uma mulher
que também recém-pariu
Um nenê pequeno
um peito cheio
e uma mãe vazia
Mesmo com encanamento
ao abrir torneiras
se corre o risco
de beber águas sujas
de se limpar com poeira diluída
E não importa
o quão fundo seja
a origem da água
naquela terra
ela sempre será suja
Quantas vezes vimos porcos e vacas encerradas na mangueira,
separadas do rebanho para aguardarem o momento do abate.
A escolha nem sempre é aleatória,
a mais gorda, a mais doente, a com mais músculos.
Depende da ocasião do churrasco.
Era ver a Vó Ilza
e com ela a penumbra
Até que um dia
ela parou
Fotografias: Lívia Auler
Textos: Laís Auler
PRODUÇÕES EM VÍDEO